Tempo, Amor e Morte – Francisco Melgareco

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Tempo de leitura: 4 minutos

 

Tive um sonho. Estava em uma mesa de jantar com três ilustres companhias: Tempo, Amor e Morte. Conversamos por horas sobre coisas da vida. Era muito estranho, pois não sei como fui parar ali, nem como eles me encontraram naquele momento, mas aprendi lições incríveis naquele dia.

Tempo estava impaciente com a janta que não havia sido servida. Ele também era o mais falante da mesa. Amor tentava acalmá-lo pacientemente, já Morte, com a cara fechada, me encarava sem falar uma palavra sequer.

Resolvi então pedir a palavra. Disse que era uma honra conhecê-los e que gostaria de saber mais sobre eles. Amor me respondeu dizendo que eu poderia saber muito sobre ele, saber tudo seria praticamente impossível. Disse também que eu precisaria do Tempo para entendê-lo de verdade, e mesmo assim talvez, Morte poderia interromper a qualquer momento.

— As pessoas não devem viver sem mim. Uma vida sem a minha presença é uma vida vazia de significado. Estou no sorriso e nas lágrimas, no abraço e no olhar. Estou em todos os lugares, basta olhar direito!

Tempo levantou-se e então bradou:

— Mas que convencido! Não é por você Amor que as pessoas pedem todos os dias. É por mim! Todos me querem mais e mais. Todos sonham em me ter mais do que é possível. Você é no máximo “bonzinho”, eu sou imprescindível!

Enquanto Amor e Tempo discutiam (e eu me divertia com isso), Morte seguia calada e séria. Resolvi seguir a conversa perguntando a Tempo o porquê de as pessoas o requisitarem tanto.

— As pessoas me querem, mas não me valorizam. Passam a vida toda me desperdiçando e depois dizem não terem a mim para viver o que realmente importa. Adoram me culpar, quando na verdade, preferem fazer coisas fúteis a ter uma vida plena. Eu sempre estou lá, mas a maioria só me percebe quando estou indo embora.

Amor completou o discurso do Tempo:

— É verdade, Tempo, depois quando o cara ali chega (apontando para Morte), as pessoas ficam lamentando não terem vivido com a minha presença, e realmente de não terem aproveitado a sua como deveriam.

Tempo seguiu falando. Me disse que praticamente todas as pessoas que ele conheceu, quando chegavam no final de suas vidas, tinham um arrependimento que coincidia. Eles não lamentavam aquilo que deu errado, seus equívocos, nem seus fracassos. Lamentavam o que não fizeram, o que não tentaram.

— Imploravam a mim por um pouco mais de vida. Eu sou apenas o tempo, não controlo o momento da chegada da Morte, nem a busca de uma vida com Amor.

Perguntei então ao amor por que ele anda se distanciando da humanidade.

— Tudo de melhor que eu posso trazer para as pessoas depende delas mesmas buscarem. Percebo que cada vez mais todos querem apenas ter novos horizontes, quando, na verdade, precisam de novos olhos. Em relações cada vez mais rasas, eu não tenho espaço. Eu preciso de conexão, empatia e respeito para me fazer presente. Preciso ser cultivado, cativado e compartilhado. Eu sou a razão maior da existência, mas preciso de permissão para entrar.

Fiquei muito impressionado com as falas de Amor e Tempo. Porém, eu estava angustiado com o silêncio de Morte. Tempo estava ao meu lado e então sussurrei em seu ouvido: “Qual é o problema do Morte, eim? Esse cara não fala não?”

“Ah, pode ter certeza de que ele tem muito a dizer… Porém, ele gosta de grandes finais, gosta de encerrar assuntos.” Respondeu Tempo, também sussurrando para o carrancudo não ouvir.

Foi então que de forma repentina e inesperada (como costuma agir invariavelmente) Morte levantou-se e pediu atenção, pois falaria em um único discurso. E assim o fez:

“Ouço todas as exclamações em relação ao tempo. Que ele degrada e acaba com a beleza da vida. Ouço os discursos insatisfeitos em relação ao Amor, que ele machuca e muitas vezes não é correspondido. Eu apenas ouço, e tudo que ouço não me importa. Faço o meu trabalho.”

“Eu vejo o medo que causo. Observo as pessoas me ignorando e me tratando como vilão. Eu aceito, sou um mal necessário. De certa forma entendo, é muito difícil ver beleza na escuridão.”

“Eu dou sentido ao Tempo e ao Amor. Eu sou a razão pela qual se vale à pena viver. Nada na vida teria a grandeza e beleza que tem sem a minha existência. A finitude que trago é para lembrar todos os dias de que o Tempo vai embora, e é necessário viver com Amor. As pessoas anseiam por eternidade, mas jamais saberiam o que fazer com ela. Tempo, Amor e eu, somos um só.”

Silêncio total. Na mesma hora, a comida finalmente chegou e… acordei. Parece que realmente mudei desde então. Foi um sonho tão real…

Hoje, só quero seguir essa busca complicada. De ter o Amor comigo por onde eu for, de aproveitar a presença do Tempo para construir uma vida de valor. De buscar a eternidade em tudo de bom que eu puder fazer e transformar alguém, que possa então levar adiante o bem que fiz, e assim, de certa forma, viverei para sempre.

E para Morte mando um recado: o dia em que vier ao meu encontro, agradecerei o que me ensinou naquele sonho, depois irei contigo, em paz.

 

 

Texto: Francisco Melgareco