Valdiocir Bolzan

Chico Louco
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Seu verdadeiro nome era Francisco Guindó, porém era popularmente conhecido por Chico Louco. Esse mísero descendente de africanos era do tempo que no Brasil imperava a barbaria da escravidão. Quando entrou em vigor a Lei do Ventre Livre em 1888 ele era ainda moço, mas já estava com as faculdades mentais perturbadas, por isso não podia compreender os benefícios dessa Lei.

A sua falta de memória foi proveniente de um choque traumático recebido na cabeça produzido pelas patas de um cavalo que ele foi buscar no campo, a mando de seu “amo” que se chamava Onofre Câmara de Rezende (nome fictício; o nome verdadeiro foi omitido por motivos óbvios), que nessa época residia em São Rafael.

O pobre Chico Louco teria que trazer o animal acima mencionado nem que lhe custasse à vida. Após este acontecimento e já em estado de espírito deplorável julgou que deveria usufruir da liberdade, razão pela qual começou seguidamente fugir da propriedade do patrão e vir para a Vila de São Sepé que distava mais ou menos duas léguas do local onde estava cruelmente subordinado aos maus tratos, tendo o referido patrão, como complemento à sua malvadeza, colocado um peso de 30 quilos em uma das suas pernas, amarrado por uma grossa corrente para que o pobre negro assim sem movimentos não pudesse mais fugir.

O Chico, mesmo assim com esse instrumento de tortura fugia de casa em direção à Vila e, quando chegava ao Rio São Sepé, por onde teria que passar, erguia o peso e colocava-o na cabeça, atravessando aquele curso d´água que não raras vezes constituía um grave perigo. Anos depois o seu protetor, vindo residir na Capela (como era conhecido São Sepé), trouxe o seu protegido consigo. Para o Chico, essa resolução do seu amo foi de grande significação, porque certamente, não precisaria mais ser algemado e poderia então vagar livremente pelas ruas de São Sepé, como assim aconteceu.

Ele, apesar do seu estado, era trabalhador e serviçal, pois bastava ver um monte de lenha em frente de uma casa, sem que ninguém o mandasse, começava a recolhê-la para dentro do pátio, mesmo que nessa hora chovesse bastante. Para recompensar esse trabalho, davam-lhe um pouco de farinha misturada com açúcar, porque sabiam que ele gostava muito. Passava juntando pontas de cigarros que encontrava pelas ruas para satisfazer o seu vício de fumar.

Não era surpresa para alguém, quando alta noite nos fundos dos quintais se via um fogo e um vulto sentado perto, podia contar que era o Chico que ali estava se aquecendo mesmo que nessa hora reinasse grande calor. Para dormir servia-se das calçadas das casas, embora fosse uma noite invernosa, que caísse chuva ou geadas. Ali dormia imperturbavelmente como se estivesse acomodado dentro de casas confortáveis e em uma boa cama. Tinha uma previsão importante sobre o tempo. O dia que ele saia pelas ruas e, em altos brados, dizia: “vai chuvê, Chico” e era certo que a chuva vinha naquele dia.

Gostava imensamente de música e, para provar isso, quando ouvia a banda tocando nas ruas, se aproximava dela, dando pulos e risadas.

Nos seus últimos anos, já bastante velho e doente, foi morar na casa do Sr. Januário Coutinho que, com muito jeito, fê-lo ficar ali, dando-lhe o necessário agasalho. Infelizmente esse seu verdadeiro protetor morreu primeiro do que ele. Parece que o infeliz compreendeu que não mais existia o bondoso Januário, caindo em profunda tristeza até morrer.

Dessa forma desapareceu o pobre Chico Louco deixando recordação a todos os antigos moradores que com ele conviveram naqueles velhos tempos na Vila de São Sepé.