Idosa de São Sepé pode ser a pessoa mais velha do mundo

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Fotos: Renan Mattos (Diário)

 

“Antes, eu cuidava deles. Agora, é eles que cuidam de mim”.
Com essas palavras, referindo-se às filhas, Alvorina de Lima recebeu a reportagem do Diário de Santa Maria no Lar do Idoso São Vicente de Paulo, em São Sepé. A voz baixa e rouca é um sinal inequívoco da idade avançada. Conforme familiares, Vó Alvorina tem 114 anos de idade, completados em 17 de janeiro. A versão é confirmada pela Certidão de Nascimento expedida pelo Cartório de Registro Civil das Pessoas Naturais de São Sepé e pela Carteira de Identidade, que apontam que a anciã nasceu em 17 de janeiro de 1905. Levando-se isso em conta, o Lar do Idoso é, atualmente, o endereço de uma das pessoas mais velhas do mundo.

Desde abril de 2009, o asilo é a casa de Alvorina. A vovó centenária é atração no abrigo e, todos os anos, ganha festa de aniversário das filhas. As comemorações são no próprio asilo, com outros vovôs e funcionários.

Alvorina foi criada na roça, na localidade de Jazidas, zona rural de São Sepé. Esse lugar, que a própria Alvorina se refere como “do outro lado do rio” (referência ao Rio São Sepé), é onde a idosa nasceu na metade da primeira década do século passado.

Caso as datas que constam em seus documentos sejam corretas, Alvorina nasceu 17 anos depois da Lei Áurea, que, no papel, aboliu a escravidão no Brasil. A idosa era filha de escravos que trabalhavam em fazendas no interior de Caçapava do Sul, conforme conta a filha Maria da Silva Ribas, 68 anos.

“Ela nos contava que a mãe dela, minha avó, era escrava. Hoje, não existem mais ninguém da época dela, nenhum vizinho, ninguém que regulava de idade com ela. Por isso, a gente acredita que ela tenha mesmo 114 anos”, diz Maria, que, mesmo trabalhando como cuidadora de idosos, dedica a maior parte do tempo aos cuidados com a própria mãe, que incluem visitas a cada dois dias, pelo menos.

Como é a única filha que mora em São Sepé, Maria tem o apoio financeiro das irmãs para cuidar de Alvorina. Uma delas é a professora aposentada Helena Silva, 57 anos, que mora em Porto Alegre. A idade da filha caçula confronta com o que dizem os documentos da anciã. Ou seja, Alvorina teria 57 anos quando teve a última filha, algo incomum até mesmo com os avanços da medicina nos tempos de hoje. “Achavam que eu não era filha dela, e sim que eu era neta, e eu ficava indignada. Hoje, não me importo mais”, relembra Helena, aos risos, na entrevista que concedeu ao Diário, por telefone.

A professora não tem dúvidas de que os documentos atestam a idade verdadeira da mãe. “A gente acredita nas histórias que as pessoas contam. Minha irmã me contou que a minha gestação foi bem difícil, que minha mãe me ganhou em casa, para fora, e que uma vizinha ajudou a fazer o parto”, diz Helena.

 

Descendentes

Dos nove filhos de Alvorina, três mulheres moram em Porto Alegre, duas em São Sepé, uma em Caçapava do Sul e outra em Santa Maria. Outros dois, incluindo o único homem, morreram. Helena diz que não tem contato com uma das irmãs há mais de 30 anos. Conforme os apontamentos feitos pela professora, Alvorina tem 16 netos (três falecidos), 14 bisnetos e quatro trinetos, estes descobertos recentemente.

Alvorina nunca aprendeu a ler e a escrever e recebe um salário mínimo de aposentadoria, com o qual banca sua hospedagem no asilo. A religiosidade da anciã também é motivo de orgulho para as filhas. Evangélica da Assembleia de Deus, Alvorina sempre teve muita fé, o que, segundo as filhas, explica a longevidade da mãe.

 

Histórias

Funcionários e voluntários do Lar do Idoso contam que Alvorina sempre foi alegre e disposta. Até pouco tempo, ela ajudava em algumas tarefas do asilo porque não gostava de ficar parada.

“Ela continua lúcida, sempre foi muito disposta. As festinhas de aniversário, então….ela adora”, conta Vera Maria Vasconcellos, assistente administrativa da Sociedade Beneficente São Vicente de Paulo, mantenedora do asilo. Há 11 anos trabalhando no Lar do Idoso, Vera afirma que, antes de Vó Alvorina, a pessoa mais velha que conheceu no asilo foi outra mulher, que morreu com 104 anos. Atualmente, o hóspedes mais idosos depois de Alvorina são Narcisa Monego, a Gringa, de 92 anos, e Antonio Dias de Ataíde, de 89.

“A Vó Alvorina não tem problema de saúde, está bem lúcida, conversa, conta histórias, apesar do esquecimento. Ela só toma um remedinho recomendado pelo médico para estabilizar”, conta a enfermeira Ísis Terezinha Otes Dutra, 48 anos.

Ísis se diverte com os causos narrados por Alvorina, alguns deles frutos da imaginação da idosa. Uma dessas histórias é sobre uma queda de cavalo que Alvorina acredita ter sofrido recentemente. Ela teria caído da cama e associou o tombo com a queda do cavalo. Quando era nova, conta a filha Maria, Alvorina gostava de andar de charrete pela cidade. O avanço da idade não impediu os passeios que a vovó centenária adora. As filhas já passearam com ela em Santa Maria e em Caçapava do Sul.

 

A mais velha do mundo?

Qualquer resposta a essa pergunta será controversa. Sites de notícias na internet trazem muita especulação sobre quais seriam as pessoas mais velhas do mundo. Grande parte tem como base documentos oficiais, como os que Vó Alvorina tem.

A japonesa Nabi Tajima teria morrido com 117 anos, em janeiro do ano passado. A idade dela foi atestada pelo Grupo de Pesquisas de Geriatria dos Estados Unidos, segundo notícia publicada pelo portal G1. A reportagem mais recente sobre supercentenários fala sobre Masazo Nokaka, falecido em janeiro passado com 113 anos. Em abril de 2018, o japonês foi reconhecido pelo Guinness World Records (Livro dos Recordes) como “o homem vivo mais velho do mundo aos 112 anos e 259 dias”.

No caso da sepeense Alvorina de Lima, não se pode afirmar com certeza que ela tem 114 anos de idade. Segundo o Cartório de Registro Civil das Pessoas Naturais de São Sepé, o primeiro registro de vida de Alvorina foi feito em 1974, com base em uma autodeclaração. Ou seja, ela mesmo disse a idade que acreditava ter. A última cópia do documento, que está na sua pasta, no Lar do Idoso, é de 1º de setembro de 2014.

“O registro foi feito por ela mesma, com base em suas declarações. Apesar de ser um documento oficial, a informação não é fidedigna”, diz a oficial do cartório de São Sepé, Rosimara Beatriz dos Santos de Barros.

Antigamente, segundo Rosinara, os registros de nascimento com base em autodeclarações eram mais comuns, principalmente quando envolviam pessoas idosas e do interior. Atualmente, é raro algum pedido com autorização judicial. A última e única certidão de nascimento expedida por Rosinara com base em autodeclaração foi há cinco anos.

Conforme dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) no ano passado, a expectativa de vida do homem é de 72 anos e cinco meses, enquanto a das mulheres brasileiras é de 79 anos e quatro meses. Portanto, pela documentação oficial e pelo que acredita a família, Vó Alvorina já superou, em muitos anos, a expectativa de vida apontada pelo IBGE.

E elas já planejam, com funcionários e voluntários do Lar do Idoso, a festa dos 115 anos para janeiro de 2020.

 

 

Fonte: Diário de Santa Maria