Artigo de opinião: Espelho negro – Francisco Melgareco

0
174


 

Tempo de leitura: 5 minutos

 

 

“Algumas pessoas sentem a chuva, outras apenas se molham.”

Há tanto tempo sem escrever, senti que nesse texto precisava me dirigir a você, que se sente como “minoria”, que se vê deslocado ou inferior. Saiba que você não está sozinho. E provavelmente você sente a chuva. Você sofre mais, sente mais, se magoa e se cobra. Por mais que pareça difícil, se sinta especial. Afinal, não vale à pena esvaziar-se para se adaptar a um mundo sem conteúdo.

A passos largos estamos desconstruindo a humanidade que nos resta. Em um mundo cada vez cheio de pessoas e vazio de “gente”, empatia entrou em extinção e o que já foi absurdo se torna comum e até mesmo bonito em alguns casos. Uma sociedade que rotula, julga, distorce, “lacra” e compete, por “likes”, por “status”, por “estar na moda”, que mais se frustra com o que não tem do que vive e aproveita o que tem.

Talvez nem os grandes gênios, pensadores e filósofos do passado tenham alguma explicação para o que vemos hoje. Não são eles, somos nós que temos que falar disso. Sim, alguém dessa geração, uma geração cada vez mais mesquinha e egoísta, mas, ainda que em raros casos, consciente. Antes que esta “consciência” que ainda resta vá embora, é preciso refletir sobre a quantidade de impulsos e estímulos do mundo atual que tornam essa geração doente, ansiosa e depressiva.

Mesmo que seja difícil, tente não sentir raiva. Somos todos nada mais que macacos evoluídos com um celular na mão. Todos temos uma necessidade primitiva e instintiva de pertencimento, de fazer parte de um grupo ou “tribo”, no fundo, precisamos de aprovação o tempo todo. Assim reagimos de formas diferentes uns dos outros, uns fazendo de tudo para agradar, parecerem maiores, melhores, superiores, “da moda”. Outros sofrendo por não se sentirem parte deste mundo.

Ainda assim, não há nada mais puro e bonito que manter a sua essência. Esses filósofos do passado que citei, provavelmente não seriam hoje as pessoas com mais seguidores, nem com maior número de curtidas nas redes sociais. Talvez eles nem sequer teriam perfis nelas, difícil, não temos como saber. O mais importante é que são essas pessoas, as que sentem a chuva, que fazem realmente com que esse planeta evolua, que muitas vezes guiam e orientam aquelas que simplesmente se molham.

Esse “tablete” que carregamos vinte e quatro horas por dia, é nosso espelho negro. Isso porque muitas vezes é ali que se reflete nosso lado sombrio, nosso lado escuro. É controverso, pois é ali que as vidas das pessoas parecem sempre mais coloridas e perfeitas. Mas nem tudo é o que parece. Acabamos vivendo mais em nossas cabeças do que no mundo real, comemos e não sentimos de verdade o gosto, não ouvimos uns aos outros, não damos atenção e não a temos das pessoas ao nosso redor, estamos aqui, mas nossa mente está sempre na “nuvem”, no modo digital e automático.

É óbvio que ficaríamos ansiosos. Que por mais difícil seja de aceitar, nos preocupamos com o que os outros pensam. Queremos pertencer, queremos aprovação. Porém, nunca se diminua por não se encaixar a tudo que vê. É de gente que sente a chuva que o mundo precisa. Você pode estar apenas passando por um momento ruim, mas saiba que por sentir mais a dor, ainda sentirá também, a mais intensa felicidade. Verás o amor de verdade em cada gesto, se tornará sempre mais forte a cada dificuldade superada.

A chuva foi feita para ser sentida. É só quando sentimos medo que a coragem poderá se fazer presente. Se você que está lendo, se sente assim, deslocado e triste, saiba que você é grande, que esse mundo é seu, que não há limites para o que pode conquistar. E acredite, sempre haverá alguém que se importa, alguém que te percebe e te entende. Assim também lembre que você pode ser, e certamente é, o pilar, a estrutura e a razão de viver de alguém. Aceite a chuva, e que depois dela sempre possa haver sol, um belo arco-íris, uma razão para não mais temer, um motivo a mais para viver.

Algumas pessoas apenas se molham, todos tem escolha. Escolha sempre sentir a chuva.

 

 

Francisco Melgareco