Valdiocir Bolzan

Antigos moradores da Vila viviam em constantes sobressaltos
0
92

A nossa Vila ainda com aspecto de uma cidadezinha em formação e muito pacata seguia lentamente e os habitantes viviam harmoniosamente como se fosse uma só família, vivendo naquela doce quietude e naquela encantadora vida bucólica.

Porém, em outros tempos, a pequena população vivia em constantes sobressaltos porque as autoridades, naqueles tempos, eram impotentes para reprimir os abusos de certos indivíduos de reputação duvidosa que, armados até os dentes promoviam as mais diversas desordens. Os maiores crimes que eram comentados pelos jornais da época eram impunemente praticados em São Sepé.

Uma vez, altas horas da noite um grupo aproximado de cem pessoas bem armadas entraram na Vila, assaltaram a cadeia, prenderam os guardas e arrebataram dali um infeliz prisioneiro, trucidando-o de uma maneira tão trágica que parece incrível que esse crime revestido dessa selvageria fosse praticado por pessoas humanas. O lugar onde esse pobre homem foi martirizado foi num terreno onde posteriormente foi construída uma casa que ficava na Rua Plácido Chiquiti, esquina Percival Brenner, hoje em frente ao Edifício Portal Sul, onde também foi sede do Jornal A Palavra.

No dia seguinte era grande o número de pessoas que iam ali ver aquele infeliz completamente mutilado, incapaz de ser identificado, pela deformação horripilante que ficou.

Outra ocasião quando se realizava uma novena da Festa do Divino, as pessoas que estavam na Igreja foram despertadas com a inesperada presença de um perigoso desordeiro que penetrou no local, bem armado, provocando os presentes. Foi com muito jeito que conseguiram tirá-lo do recinto, juntamente com o seu revolver na mão. Assim que se encontrava na rua, fez uso da sua arma, despejando balas à torto e a direita contra pessoas e a polícia que tentavam subjugá-lo. Após troca de tiros com os policiais foi finalmente atingido onde tombou mortalmente ferido em um local bastante distante onde ocorreu a cena, com o revolver na mão, onde já tinha detonado a ultima bala.

Alguns anos após o episódio acima ocorrido, apareceu na Vila o célebre Mestre Feliciano, um capelão rezador de terços que eram realizados na Igreja, por bondade do Vigário Ferreira Guedes, que cedia a Igreja, em virtude de medo e eventuais represálias que poderiam advir do temeroso hóspede indesejável.

O Mestre Feliciano era um homem grande, possante, e residia na Rua Coronel Chananeco, na entrada da estrada que ia para o Passo do Fraga. Quando ele estava alcoolizado, montava a cavalo, munido de uma pistola e uma lança, galopava pelas ruas da Vila, cantando repetidas vezes uma toada que dizia: Piriri, piriri, piriri!

Aproximava-se das casas comerciais, quando fechadas, dando tiros nas vidraças e lançaços nas portas, obrigando os negociantes a abri-las para lhe vender cachaça. Outras vezes metia a cabeça do cavalo para dentro da bodega, apontava a lança ao negociante e intimava-o a cerrar as portas, sendo imediatamente atendido, porque a ordem era obedecê-lo. O Mestre Feliciano só desistia dessas ameaças quando aparecia algum soldado que muito temeroso e com muito jeito conseguia levá-lo para casa.

Essas arruaças só tiveram fim quando aqui chegou o Alferes da Brigada Militar, o valoroso Eleutério Gonçalves, para organizar uma policia. Um dia, esse militar, com trajes disfarçados esperou em uma bodega o famigerado desordeiro. Sem tardança esse se apresentou ali e fazendo suas façanhas de costume, intimou o bodegueiro a cerrar as portas e ordenou a retirada de todas as pessoas que estavam naquela casa. Ato contínuo, o alferes saltou lá de dentro, pegou na ponta da lança do Feliciano e, com um rabo de tatu que trazia escondido, tirou-o de cima do cavalo à laço (assim era chamado antigamente), levando-o nessa toada até a cadeia. A partir desse episódio, começou novamente a reinar a paz na Vila, deixando a população tranqüila.

Quanto ao valentão Feliciano dá para imaginar as atrocidades sofridas na cadeia, talvez conseqüências muito piores, devido ao poderio autoritário dos policiais da época.