Valdiocir Bolzan

A Felícia Dengosa
0
120

Na Rua 7 de Setembro, esquina Voluntários da Pátria existia uma propriedade do Sr. Nestor Morais, que anteriormente pertenceu a uma mulher solteira, já avançada em anos, chamada Felícia Gomes, popularmente conhecida como Felícia Dengosa, sendo a sua morada uma casinha baixa de estilo colonial.

Essa mulher que foi um daqueles “entes” que vêm ao mundo subcarregados de taras e heranças mórbidas, possuía alguns recursos deixados pelos seus pais. Como não regulava bem as suas faculdades mentais era impossibilitada de se dirigir na vida, razão porque os seus bens estavam sob os cuidados de um irmão a quem ela depositava inteira confiança.

O seu único pensamento era a grandeza e o casamento. Nunca apareceu em seu caminho um homem com certa idoneidade para desposá-la em virtude das situações acima citadas. Alguns desalmados que apareciam querendo lhe cortejar era unicamente com o fim de explorá-la, não sendo difícil conseguir o seu intento. As vezes apareciam um desses “bilontras” procurando-a para um assunto de muita importância que era um pedido de casamento, argumentando que era muito confidencial e pedia sigilo por causa dos invejosos que uma vez sabendo disso podia botar-lhe “porqueiras”, mau olhado e outras coisas de feitiços que poderiam prejudicá-la.

A Felícia a partir desse momento não tinha mais sossego e dizia a todos que encontrava que finalmente tinha chegado o dia de sua felicidade e que o casamento seria realizado brevemente. Esse encontro foi proporcionado por um amigo da pretendente que exigiu dela uma gratificação por esse trabalho, dizendo-lhe que veio trazer a felicidade.

A velhinha que ficava contentíssima com essa notícia alvissareira não punha obstáculo algum nisso e tratava logo de arrumar a importância solicitada. O vira-lata embolsava o dinheiro e ia gastá-lo nas farras. Quando se aproximava o mês marcado para o seu enlace com o noivo desconhecido, esse, como era natural, não aparecia e a pobre mulher ficava numa inquietação desmedida, até que finalmente caia num profundo abatimento, principalmente quando algumas pessoas amigas lhe falaram que era um logro ardilosamente preparado.

Passado algum tempo, vinha outro patife com as mesmas argumentações e conseguia arrancar de suas mãos algum dinheiro. Finalmente essa pobre demente vendeu tudo que tinha, ficando completamente sem recursos, vivendo pelas casas. Nesse tempo, por infelicidade sua, o seu irmão já havia seguido o caminho da eternidade. Ela era conhecida por Felícia dengosa, porque em todas as casas que parava implicava com tudo.

Até o cantar dos galos pela madrugada e ladrar dos cães, o miar dos gatos e outras coisas mais lhe faziam mal. E assim, por muitos anos, nesse estado deplorável, criticada até pelos moleques, perambulava, nos seus últimos anos de vida pelas ruas de São Sepé, já maltrapilha a desventurada Felícia, quando a morte que é o descanso dos infelizes, surpreendeu-a, causando surpresa e talvez até remorso naqueles que lhe enganaram.

 

NOTA DO COLUNISTA: A moradia da coitada Felícia ficava onde hoje está localizado um edifício diagonal ao Correio e na frente da farmácia do Vergilino Pinto. A rua Voluntários da Pátria é hoje a rua Percival Brenner.

 


Entre em contato com Valdiocir Bolzan: (55) 3233-1433 ou (55) 9962-0485.