Renan Dias Silveira

O texto que não gostaria de escrever…
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Perdeu a graça! Nada mais faz sentido em se tratando de futebol. Tudo que aprendi a amar desde criança virou pó. Busco na lembrança imagens do que me tornou um amante do futebol e me vem o oportunismo do Romário, a eficiência do Bebeto, a irreverência do Paulo Nunes, a elegância do Zidane, as cabeçadas do Jardel, a garra do Edmundo, a exuberância do Gamarra, a artilharia do Ronaldo, a técnica do Ronaldinho Gaúcho. O sonho de ser jogador de futebol logo migrou para o sonho de ser jornalista esportivo tendo em vista as botinadas que dava em competições locais, que nada tinham a ver com os craques que eu imaginara ser quando narrava meus próprios lances em um jogo de bola qualquer de pés descalços na grama ou na rua de chão ou pedra. Ruiu tudo isso.

Me desprendi. Cortei o cordão umbilical com um esporte que me fez deixar de sair com amigos, de ficar com a família, de ir a aniversários por míseros 90 minutos de intensa aflição e muitos outros de grande euforia. Ou frustrações. Como jornalista esportivo (sonhos realizados), faço a mea-culpa de chamar qualquer derrota em casa de tragédia. Perdão meu amigo Laion Espíndola, meu colega Renan Agnolin e demais jornalistas que nos deixaram nesse “homicídio” com o avião da Chapecoense. Tragédia é o que vocês passaram. É por vocês que garanto que jamais vou criticar qualquer manchete “tendenciosa” ou até desinformada envolvendo futebol. É por você Kempes, por você Bruno Rangel, que jamais irei chamar qualquer atacante de perna de pau ou reclamar de gols perdidos ou chamar de pífio um time de pior ataque.

Não há tragédia maior do que perder a chance de viver seus sonhos, seus amores, suas alegrias e desafios. O que aconteceu com a nossa Chape é algo surreal, tanto quanto foi sua trajetória de ascensão meteórica. É preciso respeitar esse luto, essa dor, é preciso que o futebol, o esporte, a vida sejam repensados. Urgentemente. Chega de olhar para o próprio umbigo e temer uma derrota, um rebaixamento, uma flauta do rival, um gol perdido, um frango. Chega de ir a campo para vaiar quem quer que seja. Chega de criminalizar um bandeirinha por errar um lance de impedimento. Chega de criticar um presidente de federação por mais esdrúxulo que seja nosso calendário e um ou outro regulamento sem apresentar outras propostas ou incentivar novas lideranças.

Basta de criticar um dirigente por uma ou outra contratação errada. E não falo isso para amenizar a queda do JEC (queda não, sem metáfora, o time está vivo, de pé, ou seja, rebaixamento do JEC) ou justificar que este ou aquele time seja rebaixado ou perca um título. União, gente… Mais união, por favor… Quem perdeu amigos naquele LaMia de fatídicos erros sabe do que estou falando. Sabe que ganhar ou perder a final da Copa do Brasil não mudará em nada nesse trágico 2016. Que ter 10 jogos para assistir e outros tantos para ouvir no domingo não trará a alegria de volta. Ao menos não por enquanto… Por hoje digo tchau, futebol. Afasta-te.

Deixa apenas que esse sentimento de solidariedade siga imperando, como nos ensinaram tão bem nossos irmãos colombianos. Chego, então, nas últimas linhas deste longuíssimo texto para nossas instantâneas redes sociais e penso. “Que bobagem estou escrevendo. Jamais conseguirei viver sem futebol”. Mas me vem o rosto dos familiares dos meus amigos e de todos os 71 que nos deixaram e noto que eles terão de conviver sem os seus amores e sem sequer a opção de poder vê-los novamente. O que é o futebol perto de vidas? O que são as minhas preferências esportivas perto disso? O que vale um título, uma vitória perto desta grande perda? Se você não quer que seu time perca, lembre-se que muitos apenas queriam um time para torcer. Talvez mude de opinião.

Aliás, é bem provável que mude, tendo em vista minha profissão e meu maior lazer. Mas não hoje, não agora, não enquanto não cicatrizar essa grande ferida… Perdemos todos…

 

Renan Silveira – Especialista em Jornalismo Esportivo