Quando uma criança sofre, todos morremos um pouco mais – Francisco Melgareco

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Foto: divulgação


 

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“A Guerra é um lugar onde jovens, que não se conhecem e não se odeiam, se matam, por decisões de velhos que se conhecem e se odeiam, mas não se matam.” (Erich Hartman)

Era quase meia-noite e Omran não conseguia dormir. Havia um barulho distante de explosões e bombas. O teto do seu quarto tinha estrelas brilhantes, enfeites autocolantes, com as quais ele havia decorado. Deitado e olhando os pontos brilhantes no teto, seu medo era óbvio. Seu pai resolveu então tentar ajudar.

“— Dorme agora, esquece o medo, uma história eu vou contar. Dorme em paz, eu te prometo que hoje o céu não vai desabar.”

Omran não entendia a guerra. Não sentia ódio nem entendia o porquê de estar no meio daquilo tudo. Era só uma criança, e como tal, só queria o que toda criança queria. Ele gostava de desenhar, porém, seus desenhos mudaram comparados com os que fazia antes. Desenhos de casinha, sol e nuvens foram substituídos por tanques de guerra, soldados e armas.

Toda criança nasce com uma alma pura. A realidade, cedo ou tarde, trata de tirar a inocência e pureza da infância. Por mais que esse seja o ciclo da vida, não há precedentes para calcular o quanto a guerra pode afetar uma criança. Os traumas podem ser tatuados e jamais cicatrizarem.

Omran e sua mãe partiriam no dia seguinte, seu pai não. A ordem era para que apenas mulheres e crianças deixassem o país. Aproveitando aquele tempo que ainda tinha, o pai de Omran finaliza a história dizendo a seu filho:

“ — Dorme agora, eu te desejo um mundo novo quando acordar…”

Há vários finais possíveis para essa história, a maioria deles é triste. É uma história que se repetiu muitas vezes com muitos personagens diferentes. Não aprendemos. A humanidade chegou até aqui aos “trancos e barrancos”, com avanços, evolução, descobertas e fronteiras. Construímos mais muros do que pontes.

Infeliz é o homem que precisa disparar uma arma enquanto outro homem conta uma história para seu filho dormir. Triste é o mundo onde sofre quem deveria apenas brincar e se divertir. Quando uma criança sofre, todos morremos um pouco mais. É o fim do digno, o fim do crédito, do que sobrava de merecimento por este lugar em que vivemos. É o desprezo total e final, pela sorte ou benção de estar aqui.

Não há juízo final quando uma criança sofre. Perdemos. Fomos condenados inapelavelmente. Não há remissão, perdão ou redenção. Um pedaço foi cortado e se foi. Há de se poupar as crianças. Elas são as letras que formam cada palavra que descreve a nossa história futura. Se o mundo será bom ou ruim, ou, se ainda existirá um mundo, depende delas e da forma como cuidaremos da suas essências.

Precisamos olhar para dentro. É preciso entender o que está ao nosso controle e podemos fazer para termos um mundo melhor. Empatia, compaixão e resiliência. Talvez ainda haja tempo, mas sorrir fica mais difícil a cada dia quando uma criança sofre. E que se possa em alguma outra oportunidade se falar de esperança, pois por ora está difícil. Quando uma criança sofre, todos morremos um pouco mais.

 

 

Francisco Melgareco