Jovem sepeense disserta sobre os 100 anos do Curso de Linguística Geral

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Foto: divulgação

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O sepeense Gabriel Dutra Silveira recentemente escreveu uma nota introdutória de menção aos 100 anos do Curso de Linguística Geral. O jovem pesquisador residiu em São Sepé, mas atualmente estuda na Universidade Federal de Pelotas (UFPel) e reside na cidade pelotense.

Silveira, que trabalha como pesquisador na UFPel na área da linguística geral, disse que o material que ele produziu aborda temas como linguística e psicologia, e os apresenta de forma didática.

 

Leia na íntegra a dissertação feita pelo pesquisador

 

O legado de Saussure.

Análise reflexiva 

 

 

SILVEIRA, G.D.

 

Enquanto disciplina, linguística é uma ciência nova. Já tratando de “linguística” em um contexto histórico, sabemos que ela foi – e continua sendo – motivo das investigações que levou ao homem o domínio de diversas línguas e formas de linguagem. De maneira idêntica, em nosso tempo, a necessidade de comunicação nos leva, até mesmo sem pensar, a investigar a língua. E quando, somada estas investigações, agrupadas a outras, em idiomas alternados, e comparadas sob o mesmo ponto de vista ver-se-á uma similaridade entre elementos. Inquestionavelmente, nestas investigações, encontra-se: vez sincronia – entre unidades –  vez incompatibilidade, “ordem” e sentido, sistema e estrutura. De tal forma, com base nestas investigações e resultados; “Quem teria a capacidade de dar forma a uma nova e reconhecida ciência humana?”

A cidade é Genebra, o dia é 26 de novembro do ano de 1857, nasce uma criança que em batismo recebe o nome de Ferdinand Saussure. Descendente de uma tradicional e renomada família de intelectuais e políticos, Ferdinand tem como pai um grande naturalista sueco e seu avô é o importante botânico Nicolás Théodore de Saussurre (1767-1845). Desde muito cedo, Ferdinand foi iniciado em uma educação direcionada à linguística. De acordo com os registros, é um amigo da família que exerce o papel de “padrinho” de Ferdinand nos estudos linguísticos. O filólogo reconhecido por suas pesquisas Adolphe Picktet (1799-1875) é quem exerce esta influência em Ferdinand que agora mantém os estudos linguísticos enquanto cursa física e química na universidade alemã de Leipzig. Decidido a seguir seus estudos em linguística Saussure entra para a Sociedade Linguística de Paris e é lá como um jovem estudante que Ferdinand pública seu primeiro e único livro: Mémoire sur le système primitif des voyelles dans les langues indo-européennes (1879) título este que levou a Saussure prestigio acadêmico e engaje em suas pesquisas e comparações.

Posteriormente, tendo seguido o estudo das línguas aperfeiçoou-se em indiano, celta e sânscrito tendo aos 21 anos concluído o doutorado na universidade de Leipzig com uma tese sobre o sistema de vogais nas línguas indo-europeias. Saussure continuou publicando suas teses acerca dos casos das línguas e suas particularidades e com seu regresso a Paris começa a ministrar aulas de linguística histórica na École des Hautes Études (1881-1891) direcionando suas lições especialmente para o Alto alemão, Sânscrito e gótico. Após seu retorno a Genebra Saussure ministra, também, aulas de linguística histórica geral, sânscrito e também filologia indo-europeia.

Até aqui, vimos sobre a necessidade de comunicação que possuímos, e que está nos leva a investigar, registrar e sistematizar as línguas. E interpreta-se, com base nas retóricas, que em algum momento alguém há de “queimar o estopim” e oficializar estas investigações como uma ciência humana de objetivo empírico visando que a mesma possui um objeto específico de estudo. Ligar os pontos fica fácil quando no 2° parágrafo é apresentado o jovem Ferdinand Saussure. E acompanhar sua trajetória, desde os passos inicias, é extremamente necessário para a compreensão dos fatos que a seguir virão. Fatos estes que estabelecerão a linguística moderna como uma das novas e mais importantes ciências contemporâneas…

A história ainda acontece em Genebra, ano de 1897, Ferdinand carrega um grande nome, suas aulas são cada vez mais disputadas e seus alunos são fiéis. Os anos que se sucedem são extremamente calmos e gentis para que com Saussure que segue lecionando sânscrito e filologia. Quase 10 anos depois, Saussure é encarregado para trabalhar em um cargo em qual mudaria a história da linguística para como conhecemos.  1906, Ferdinand é encarregado para ensinar Linguística Geral e com isso realiza conferências que apresentam alguns novos conceitos que mudam radicalmente o modo de como se encarava a linguística.

Saussure apresenta conceitos dicotômicos – que são a divisão de um elemento em duas partes geralmente contrárias-, ele define que a língua é uma construção coletiva e a fala uma propriedade individual. A língua é definida como sistemática, enquanto a fala como assistemática e que com fundamento nesta base já é possível ver uma relação dicotômica. Quatro das dicotomias de Saussure atingiram maior prestigio, estas são:   Língua vs. Fala, Sincrônia vs. Diacronia, Sintagma vs. Paradigma e Significante vs. Significado. Para Ferdinand, a língua seria composta de uma estrutura de valores que se opõem uns aos outros enquanto a fala seria um ato individual sujeito a externalidades, tal como nascer mudo, e pelo grande número de variáveis não seria propicia a análise da mesma. Saussure define: sincronia como o estudo dos fenômenos da língua através de uma determinada época e diacronia como o estudo que incorpora as mudanças ocorridas nas línguas com o passar do tempo. Ele fala sobre o sintagma como sendo “a combinação de formas mínimas numa unidade linguística superior”, que surge da sucessão e linearidade do signo. Em outras palavras: Ele exclui a possibilidade de pronunciar dois elementos ao mesmo tempo. E explica que uma unidade só tem valor semântico quando entra em contato e passa a contrastar com outra ou mais. Já como o próprio Saussure define; o paradigma é um “banco de reservas” é o “léxico da língua” é a capacidade sensorial responsável por fazer com que as unidades entrem em contraste levando o falante a criar suas frases por meio de um processo de exclusão em que ele elimina as possibilidades contrárias ao seu raciocínio fazendo com que o sintagma se forme de acorda com o que A quis dizer a B e vice-versa. Em resumo; são unidades que se opõem, pois uma exclui a outra. E a quarta e última dicotomia, porém não menos importante: significante e significado. Ferdinand Saussure divide o signo linguístico em duas partes e define-os em:  “significante” o que ele refere como uma “imagem acústica” o que vem a ser uma cadeia sonora que reside no plano da forma, do traço, da escrita. E “significado” que é apresentado como um “conceito” e valor, sentido ou conteúdo semântico de um signo linguístico – aquilo que imaginamos quando ouvimos uma palavra específica.

Analisando todos estes dados, é inegável a contribuição de Saussure, as teses e dicotomias apresentadas por ele, em suas conferencias, mudaram “drasticamente” o que se tinha por linguística na época. Graças aos seus estudos a Linguística adquire autonomia e seu objeto e método próprios passam a ser fixados. Uma desventura é que inesperadamente no dia 22/2/1913 Ferdinand Saussure falece prematuramente aos 55 anos em Genebra. E junto do seu óbito inúmeras conclusões e ideias se esvaem para não mais trazer luz ao nosso mundo. Neste contexto, de morte, tudo se direciona para uma opacidade e olvidamento ao redor do legado de Saussure! Porém não se esqueça das inúmeras retóricas de grandeza ao longo do texto, e é deste modo que anos após sua morte, três de seus pupilos resolvem iniciar uma compilação com as anotações dos alunos que compareceram aos cursos ministrados por Saussure. E com muito empenho e respeito ao legado que o mestre os conferiu; Charles Bally e Albert Sechehaye, com a colaboração de A. Ridlinger editam o Curso de linguística geral (Cours de Linguistique Générale) livro seminal da ciência linguística e tal publicação torna-se um marco dentro dos estudos linguísticos. Este trabalho que foi publicado em 1915 e ainda hoje é leitura obrigatória para todos os estudantes e pesquisadores de linguística leva a Saussure o prestigio que talvez nem ele mesmo tenha sonhado um dia possuir.

O curso de linguística geral e os estudos e teorias de Saussure vão reverberar pelo tempo servindo de modelo e inspiração para a corrente estruturalista, que se intitularia:  “pós-saussuriana”, o legado de Saussure acabou abrangendo e abordando áreas; do contexto social, cultural, psicológico e diversas. Em outras palavras, muitas das respostas que o homem procurou encontrar durante os séculos foram respondidas e englobadas pela corrente Saussuriana. Nossa sociedade deve um agradecimento e infinito reconhecimento ao trabalho de Ferdinand Saussure “homem que viveu para a língua”.