
Começa nesta terça-feira, 2, na Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), o julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) dentro da ação penal (AP) 2668, que trata da chamada trama golpista.
Além de Bolsonaro, outros sete réus integram o núcleo central, também conhecido como núcleo 1. O julgamento que começa nesta terça é o deste grupo. O núcleo também é integrado por Alexandre Ramagem (ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência – Abin), Almir Garnier (ex-comandante da Marinha), Anderson Torres (ex-ministro da Justiça e ex-secretário de segurança do Distrito Federal), Augusto Heleno (ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional – GSI), Mauro Cid (ex-ajudante de ordens de Bolsonaro), Paulo Sérgio Nogueira (ex-ministro da Defesa), e Walter Braga Netto (ex-ministro e candidato à vice em 2022).
Bolsonaro, Garnier, Torres, Heleno, Cid, Nogueira e Braga Netto respondem por cinco crimes: organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, tentativa de golpe de Estado, dano qualificado contra o patrimônio da União e deterioração de patrimônio tombado. Ramagem, que possui mandato de deputado federal, responde por três: organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito e tentativa de golpe de Estado.
Ao todo, o processo está dividido em cinco núcleos, e teve 34 denunciados. Destes, 31 tiveram as denúncias aceitas pelo STF e se tornaram réus. Dois tiveram as denúncias recusadas. E um, o blogueiro Paulo Figueiredo, que está morando nos Estados Unidos, ainda não foi encontrado para ser notificado.
A suposta organização criminosa teria atuado pelo menos desde junho de 2021 para impedir o funcionamento dos poderes da República e, na sequência, para depor o governo legitimamente eleito em 2022, participando ativamente ou do planejamento das ações que culminaram nos atos de destruição promovidos na Praça dos Três Poderes em janeiro de 2023. No dia 8 daquele mês, milhares de pessoas participaram de ataques contra as sedes do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal.
A partir desta segunda-feira o Correio do Povo publica conteúdo especial sobre o julgamento, seus ritos, curiosidades, o detalhamento dos crimes de que Bolsonaro é acusado e as considerações e projeções de especialistas em direito penal e direito processual penal a respeito do conjunto probatório, das possibilidades de votos, de recursos e dos impactos do caso. Acompanhe.

A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) é formada por cinco ministros. O presidente do colegiado é o ministro Cristiano Zanin. É ele quem abre e conduz os trabalhos. O relator da ação penal (AP) 2668 é o ministro Alexandre de Moraes. Os outros três ministros que integram a turma são Cármen Lúcia, Flávio Dino e Luiz Fux.
Quando definiu as datas do julgamento do núcleo 1, Zanin reservou para ele oito sessões, intercaladas, em cinco dias (2, 3, 9, 10 e 12), totalizando 30 horas. Nos dias 2, 9 e 12 o julgamento acontecerá pela manhã e à tarde, com intervalos entre 12h e 14h. Em 3 e 10 de setembro, somente pela manhã.
O julgamento começa oficialmente nesta terça-feira, 2, às 9h, quando Zanin, como presidente da Turma, abre a sessão e, na sequência, ‘chama’ o processo para julgamento, conforme já estabelecido na pauta. O rito do julgamento é regrado pelo regimento interno do STF e pela Lei 8.038/1990.
Após a abertura, o presidente passa a palavra para o relator, o ministro Moraes, para que este faça a leitura do relatório. Este é um resumo detalhado de todas as fases do processo desde o início das investigações, com referências ao conjunto probatório e a linha do tempo, passando pelas argumentações das defesas e da Procuradoria Geral da República (PGR), até as alegações finais das partes.
Depois da leitura do documento, será a vez de a acusação, que tem à frente o procurador-geral da República, Paulo Gonet, se manifestar. A PGR terá uma hora para sua exposição. Na sequência à explanação da acusação, são os advogados de defesa que fazem suas sustentações orais, de acordo com a ordem alfabética dos nomes dos réus. Isto significa que a defesa de Bolsonaro será a quinta a se manifestar. Cada advogado terá também prazo de uma hora para sua explanação.
O tempo de uma hora, destaca o advogado criminalista Norberto Flach, é considerado bastante generoso comparado ao prazo usual concedido para as exposições em julgamentos comuns (com exceção de tribunais do júri), quando as defesas têm, em média, entre 10 e 20 minutos para alegações. “Para um advogado experiente, uma hora é um tempo bastante expressivo, dá para fazer muita coisa”, assegura.
Encerradas as manifestações das defesas, começam os votos dos ministros. Em função da quantidade de réus e dos tempos previstos a cada parte, a etapa da votação, conforme projeções feitas por criminalistas com experiência em ações penais relevantes, não deve começar nesta primeira semana de julgamento, e sim a partir do dia 9 de setembro.
Flach explica, por exemplo, que, além dos tempos generosos para as exposições, desde a abertura da sessão, antes mesmo de a palavra ser dada ao relator, as defesas têm a possibilidade de levantar questões preliminares, de encaminhamento e de ordem, que podem até ser repelidas pelo presidente, ou pelo relator, mas sobre as quais é preciso haver deliberação, mesmo que rápida.
O primeiro a votar será o relator, Alexandre de Moraes. Não há tempo de duração estipulado para a apresentação dos votos. A expectativa, porém, é de que Moraes profira um voto bastante ‘duro’, e que use cerca de três horas para sua exposição. Ele primeiro deve analisar as questões preliminares suscitadas pelas defesas, como alegações de cerceamento de defesa e solicitações de absolvições. Neste ponto, o relator pode solicitar que a turma já delibere especificamente sobre as questões preliminares. Ou pode deixar para que elas sejam votadas em conjunto com o mérito da ação.
Esgotadas as considerações sobre as questões preliminares, Moraes se pronuncia sobre o mérito do processo, ou seja, se há provas consistentes do cometimento dos crimes por parte dos réus. E, por fim, conclui o voto, explicitando se absolve ou condena cada um dos acusados e, na condenação, a dosimetria das penas, ou seja, quais tempos de penas propõe para cada um.
Como são cinco crimes, há múltiplas possibilidades. Tanto o relator como os outros quatro ministros podem condenar por todos ou absolver de um ou mais crimes e condenar pelos demais, em diferentes combinações, e com o estabelecimento de penas variadas, conforme as mínimas e máximas previstas na legislação. Isto vale para cada um dos réus. “Pode haver a condenação por mais de um crime, divergência em relação a quantidade de pena ou até mesmo em relação à condenação”, esclarece o criminalista Aury Lopes Júnior.
Depois de Moraes votam, pela ordem, Dino, Fux, Cármen Lúcia e Zanin. Para absolver ou condenar em cada um dos crimes são necessários os votos de três dos cinco ministros. Qualquer um deles pode pedir vista do processo (se isto é feito, é aberto prazo de 90 dias para devolução). Mas, em função de todo o contexto envolvendo este processo, neste momento a possibilidade é considerada pouco provável.
Findo o julgamento, tem início a fase de recursos. O advogado e professor da FMP/RS, André Machado Maya, explica que, em caso de dois votos pela absolvição, é possível o recurso de embargos infringentes ao Plenário do STF. Apenas em relação ao crime ou crimes sobre o qual ou quais tenha ocorrido a divergência de mais de um ministro.
Fonte. Correio do Povo


