Leandro Ineu

O sol nasceu quadrado para eles; o problema continua amarrado em nós
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Saiu melhor do que a encomenda. A recaptura de três foragidos do presídio Estadual de São Sepé em menos de 12 horas não era esperada nem pelo mais otimista dos policiais. Nas redes socais, o inquestionável clima de alívio da comunidade se afirmava a cada novo comentário. Havia uma concreta possibilidade de redução na onda de criminalidade no município. Marcinho, Maria e Rudnei, pelo menos por enquanto, estão presos. Mas e nós?


Permitam-me aqui uma breve confissão. Não é fácil ser “imprensa” em São Sepé. Aliás, não é fácil em lugar algum. E não estou falando da rotina, da estrutura ou do corre-corre diário. Está cada vez mais difícil lidar com as pessoas. A opinião compartilhada minuto a minuto revela, mas também desgasta. Mostra quem somos e o que já pensávamos antes do que agora vence a barreira da intimidade e do invisível.

Nos bastidores há muita coisa que não é – e não pode – ser revelada. Uma fala aqui, outra informação ali. Tudo se constroi como um imenso quebra-cabeças que em instantes será “apresentado” aos nossos leitores. Uma destas histórias aconteceu comigo na última sexta-feira.

Enquanto boa parte da sociedade festejava o merecido êxito das Polícias em capturar o foragido Marcinho (mais tarde desencadeada em mais duas prisões) consegui conversar com o familiar de um dos presos. Um homem de meia idade, cabisbaixo e um tanto envergonhado. Puxei conversa. Em menos de dois minutos descobri que era irmão de um dos foragidos, trabalhava há mais de 15 anos em uma empresa da cidade e, de cara, notei que tinha um perfil bastante distinto do irmão mais novo. Me contou que o jovem perdeu a mãe cedo, entrou para o mundo das drogas com 14 anos e dali em diante nunca mais foi “recuperado”. Era uma decepção familiar.

Mas essa conversa toda só tem um motivo: longe – muito longe de desqualificar o trabalho dos sempre parceiros (e incansáveis) da Brigada Militar e da Polícia Civil – lembro que o sol nascerá quadrado a partir deste sábado para o trio. Mas nós, aqui do lado de fora, ainda estamos no meio do problema. Sair do raso e do senso comum nem sempre é uma tarefa fácil. Pegue sua boia. Vamos tentar.


Vou recorrer ao Direito (área em que há bem pouco comecei a me aventurar). Por lá, existe uma doutrina norte americana chamada “Teoria dos Frutos da Árvore Envenenada” (fruits of the poisonous tree). Basicamente está relacionada com as provas colhidas de forma ilícita dentro de um processo. Ou seja, se a obtenção dos dados ocorrer de forma irregular, o processo como um todo poderá ser desqualificado. Nos deslocarmos do mundo jurídico e aplicarmos o mesmo conceito em nossa sociedade não é lá tão difícil.

Não dá pra exigir que não existam frutos podres (cidadão) se a raiz (sociedade) está envenenada. A cada vez que somos só um pouco medíocres (mediano, comum, sem relevo), hipócritas (que não age de acordo com as ideias que demonstra ter) ou simplesmente que não remamos na direção do “bem comum”, somos também um pouco culpados pelo que nos rodeia.

Todos – definitivamente todos – devem e merecerem pagar pelos seus atos e erros, é bem verdade. Mas não há o que se resolver se não conseguirmos investir em educação, educação e educação. O mundo já está amarrado o suficiente. Agora, precisamos de pessoas e atitudes (simples e constantes) que ajudem a desatar os nós.

 

Leandro Ineu, Jornalista