O que faz falta para uma nação? – Elaine dos Santos

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A organização administrativo-política do Brasil, muitas vezes, suscitou revezes no meu sentimento cidadão, não raras vezes, pôs à prova o meu encantamento e o meu orgulho pela pátria-mãe. Os desmandos da política nacional, como o confisco da poupança protagonizado por Collor, sonegando-me o direito ao acesso àquele suado dinheirinho guardado durante anos para a realização de um sonho, fez-me odiar COM TODAS AS MINHAS FORÇAS ter eleito o tal “caçador de marajás”. No entanto, naquele caso, como em tantos outros, carreei para mim a responsabilidade sobre tal ato e, em 1992, estava nas ruas, ao lado dos meus colegas de faculdade, pedindo o seu impeachment. Sempre fui assim, errei, assumo que errei e sigo em busca da compensação pelo prejuízo. Vou ao fundo do poço, esgoto todas as minhas energias, mas não tenho o direito de culpabilizar instituições, por exemplo, sobre os meus fracassos pessoais.

Faço parte de uma geração que nasceu à sombra de um estado de exceção, sofremos na pele, na alma, na educação, nas formas de ser e dizer o cerceamento das liberdades, o exercício da censura que se fazia para além daquele certificado que aparecia antes dos programas televisivos. Por outro lado, costumo repetir que fomos “abençoados” porque tivemos a oportunidade de ver grandes astros da música, do cinema, dos esportes em atuação. Desde Pelé, ainda que fosse no Cosmos, passando por Ayrton Senna na F1 (o nosso gênio maior!), Guga no tênis, Cazuza, Renato Russo na música, a “the best” Tina Turner e tantos outros que a memória trai. Guardamos poucas lembranças do tricampeonato de futebol no México em 1970 (se é que guardamos), mas nos mantivemos fiéis em 1974, na Alemanha Ocidental; em 1978, na Argentina; choramos copiosamente na desclassificação no velho estádio Sarriá, na Espanha, em 1982; lamentamos os pênaltis perdidos em 1986, no México; afundamos com Lazzaroni, na Itália, em 1990, mas seguíamos acreditando que, um dia, o tetra viria. E fomos agraciados com o tetra, ele veio, entre outras formas, nos pés de Bebeto e Romário, dois atletas franzinos, daqueles que passam a partida inteira sendo “caçados” pelos adversários, “chamam a falta”, mas desequilibram o jogo e, em lances geniais, marcam o gol de placa, de bicicleta, de letra. Já tínhamos visto atletas assim com o Galinho de Quintino, Zico, e veríamos outros tantos nas Copas do Mundo que viriam (1998, 2002, 2006, 2010, 2014, 2018).

A nossa geração acostumou-se com um futebol arte, que talvez não exista mais nos gramados europeus, afeitos às modernas tecnologias, com grandes e poderosos zagueiros, atletas “fabricados” em clubes de ponta do futebol mundial, mas que ainda existe na rua, na várzea, onde houver um “campinho”, com goleiras marcadas com lata ou chinelos “de dedos”, em que moleques de rua, de bairro, de vila, sonham em ser grandes, grandes atletas, ricos, milionários para tirarem da vila o seu pai (se ele existir), a sua mãe, os seus avós, os seus irmãos e dar-lhes uma vida digna num país que lhes sonega cidadania. É por isso que eu brigo para que a minha cidadania não me seja sonegada e para que as pessoas entendam que meninos Neymar proliferam pelas vilas do país, pobres, pretos, sem educação de qualidade…sonhando apenas poder gritar bem alto que o mundo se dane, que eles querem ser felizes, que eles querem fazer feliz aqueles que eles amam. Não me parece justo carrear para Neymar todas as frustrações de uma nação que não tem presidente, que não tem representantes populares comprometidos com os meninos e as meninas de rua, com os meninos e as meninas de rua que apenas sonham serem felizes, terem educação e saúde de qualidade. Não nos falta futebol, faltam-nos outras coisas, bem mais sérias que um atleta preocupado – sozinho – com uma nação.

 

Professora Elaine dos Santos

Doutora em Letras

Contato: e.kilian@gmail.com

 


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