Mãe, Terra, seiva da vida – Elaine dos Santos

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Em 2012, em uma viagem pela Argentina e pelo Chile, que incluiu pontos clássicos como Buenos Aires e Mendoza, em solo argentino, Valparaíso, Santiago, em território chileno, também estivemos ao sul daquele país, nas cidades de Puerto Montt e Puerto Varas, domínio, séculos passados, dos índios mapuches. A etnia não me era desconhecida, posto que, no mestrado em Letras na UFSM, convivi com Nehul, um legítimo mapuche que cursou o mestrado em Santa Maria.

Um dos nossos roteiros naquela região compreendia as cercanias e o próprio vulcão Osorno, adormecido. Os meus companheiros de viagem tencionavam realizar o conhecido esporte brasileiro em locais com neve: “esquibunda”. De minha parte, o momento mais significativo foi representado pelo acesso ao local, feito em um micro-ônibus, com guia local, um descendente da tribo mapuche. Enquanto subíamos pela encosta íngreme, em estrada de chão batido, ele contava-nos um pouco sobre a cultura do seu povo.

Foram várias informações que não cabem aqui, mas uma é relevante para a reflexão que quero expor. Os mapuches acreditam que somos todos irmãos, desde o primeiro homem que pisou a terra até eu e você. Somos uma sequência de seres que nascemos da mãe da Terra e a ela retornamos. O nosso cordão umbilical, simbolicamente, sempre lhe foi oferecido. Neste sentido, a mãe Terra concederia a oportunidade às mulheres para que parissem os seus filhos, filhos da mãe Terra.

A ideia não nos é de todo estranha. Disseminou-se entre nós, desde muitos anos, que Adão foi uma criação divina feita da terra (do pó ou do barro) e sobre essa figura Deus soprou a vida. Depois, de uma costela dele, criou-se a mulher. Entre os antigos gregos, acreditava-se que a primeira mulher tenha sido Pandora. O semi-deus Prometeu teria roubado uma centelha do fogo eterno que tremula no Olimpo, morada dos deuses, para aquecer a vida dos homens. Furiosos, os deuses do Olimpo tramaram um ardil, forjaram uma boneca de barro – Pandora – concederam-lhe todos os atributos, entregaram-lhe uma caixa com todos os sentimentos do mundo e enviaram-na como presente a Prometeu, em sinal de paz. Precavido, Prometeu não se envolveu com Pandora, mas o seu irmão encantou-se com a jovem, abriu a caixa que ela carregava e todos os sentimentos escaparam: ódio, inveja, raiva, ciúme, amor, dúvida… quando Prometeu chegou, houve tempo apenas para que a esperança não escapasse, assim é que a esperança é a última que morre. De qualquer forma, Adão/Eva, Pandora são seres provenientes da Terra, da mãe Terra e, o que me parece mais interessante, sobretudo, numa sociedade machista como a nossa: às mulheres atribuiu-se o pecado, a queda do paraíso, da convivência fraterna com o Deus cristão ou os deuses do Olimpo, de modo que a mulher precisa parir com dor e todos os homens necessitam cultivar a terra para tirar o seu alimento dela, com o suor do rosto. Desnecessário, aqui, mencionar a nossa querida ancestral mítica, ofertada pela literatura, Ana Terra do romance “O tempo e o vento”, de Erico Verissimo.

O que, de fato, moveu-me à escritura desse texto é relembrar que somos, sim, fruto da mesma Terra, que recebemos em condições de sobrevivência e que devemos legar em condições favoráveis para aqueles que nos sucederam, Terra mãe que nos acalenta, protege, serve em silêncio, nas folhas douradas do outono, nos lindos finais de tarde sobre o pampa. Desejo que, no mês de maio, consagrado às mães, não nos esqueçamos dos corações que amam maternalmente para que outros seres humanos sejam felizes, sintam-se seguros, amparados exatamente como o faz a mãe Terra, a deusa Gaia.

 

 

Prof. Dra. Elaine dos Santos

Revisora de textos acadêmicos

Contato: e.kilian@gmail.com