Líder religioso é condenado por estupro de vulnerável

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Os Desembargadores da 6ª Câmara Criminal do TJ/RS condenaram a 17 anos e 6 meses um homem que, à época dos fatos, entre 2013 e 2017, era o principal líder religioso na Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias em uma cidade do interior do estado.

Segundo a denúncia, ele se prevalecia do cargo que ocupava na igreja e utilizando sempre a mesma justificativa, de que a entrevista se tratava de uma “consulta médica” e que o ato era para ver se elas estavam mentindo, bem como não era para as vítimas contarem nada para ninguém.

 


O caso

O réu, de 53 anos, foi denunciado pelo Ministério Público (MP) pelo crime de estupro de vulnerável contra seis vítimas, todas menores de 14 anos.

Uma delas tinha 9 anos quando o acusado começou a praticar os atos libidinosos diversos de conjunção carnal. Ele frequentava a casa dela na condição de Mestre Familiar da Igreja, oferecendo auxílio espiritual e material. Conforme o MP, ele ficava sozinho com a criança em um quarto com a desculpa de que ia examiná-la para constatar se estava nervosa e passava as mãos nas pernas, e partes íntimas dela.

O réu era amigo do avô da menina e ia com frequência na casa da família. De acordo com o relato da vítima, em um desses encontros, em uma sala dentro da igreja, ele introduziu o dedo ‘dentro’ dela. A menina disse que, mesmo não gostando, o acusado dizia que o ato era necessário. Ela ainda mencionou que um dia perguntou se podia contar o ocorrido a seus pais, e ele disse que não, pois iria acontecer algo muito ruim com ela.

A mãe dela declarou que só soube dos fatos depois que vieram à tona as denúncias envolvendo outras duas vítimas. Ela relatou que percebeu uma resistência da filha em ficar na igreja. Ela dizia que estava muito ruim o local, porém, não dizia o motivo, e por isso não desconfiou que havia algo errado.

Outras duas meninas, irmãs, também passaram por situação semelhante. O acusado se valia da condição de Presidente do Ramo do Rosário (cargo máximo da referida igreja) e ficava sozinho dentro de uma sala com as vítimas. A desculpa usada era de que precisa examinar e entrevistar cada uma delas. Com uma delas, passou as mãos nas partes íntimas e se assustou, dando um tapa na mão dele. A irmã, nas entrevistas que ocorriam quase semanalmente, também era submetida a esta situação e, um dia, ela contou aos pais.

A mãe delas contou os fatos para dois integrantes da igreja e o caso foi levado ao conhecimento de responsáveis da igreja de outra cidade. Ela achou que ele seria expulso da congregação, mas isso não ocorreu. Diante disso, ela registrou o fato na polícia. A mãe disse que confiava no acusado e que ele sempre a aconselhava que as meninas não tivessem “namoradinhos”, pois eram muito novas.

Outra vítima contou que em uma das vezes em que foi levada à sala da igreja para a “entrevista”, o acusado disse que não era para ela deixar nenhum menino tocá-la, passando a mão por cima de sua roupa, mostrando como era. A menor contou que em uma em outra vez ele perguntou novamente se ela tinha namorado e ela disse que sim. Ele queria saber se ela já teria feito “alguma coisa” com ele, e ela disse que não. Nesse momento, o acusado a colocou em um lugar da sala onde não podiam ser vistos, se ajoelhou em sua frente e colocou a mão por dentro da saia e passou a mão por cima de sua calcinha. Ele disse que estava fazendo aquilo para ver se ela não estava mentindo. Ela afirmou que os responsáveis da igreja não acreditaram nas denúncias feitas pelas meninas e não fizeram nada a respeito dos fatos.

Ela disse que tinha medo denunciar e não dar em nada e o acusado ir atrás dela. A menina só teve coragem de contar para a família depois que houve uma cerimônia de batismo na igreja e algumas vítimas chorando contaram o que vinham passando. Só depois disso, ela também conseguiu contar para a mãe que o mesmo vinha ocorrendo com ela.

A ação judicial ainda traz os depoimentos de mais duas vítimas, narrando o mesmo procedimento. Os fatos ocorreram cinco vezes, segundo ela, em uma sala da igreja, em “entrevistas” que ele realizava. A vítima contou que os membros da igreja pediram para ela não comentar sobre os fatos fora da comunidade religiosa, para não dar problema com outros integrantes. Ela disse que o réu foi afastado do cargo, mas continuou frequentando a igreja. A mãe desta vítima disse que o caso só veio à tona porque uma das meninas contou para as outras, que relataram também ter ocorrido com elas. Inclusive, esta mãe disse que passou por situação semelhante com ele. Em um período em que estava deprimida, foi conversar com ele. Ao examinar seu corpo, ele passou a mão na barriga, pernas e órgãos sexuais. Ela narrou que acreditava que aquilo só teria ocorrido com ela, não com as meninas. E que os superiores na hierarquia da congregação pediram para perdoar o acusado, que teria se desculpado.

O réu negou os fatos e afirmou que as imputações foram meramente vingativas, pois as pessoas que se encontravam na igreja tinham inveja da sua ascensão de morador de rua a Presidente do Ramo.

O ex-líder religioso foi condenado e recorreu ao Tribunal de Justiça.

 


Acórdão

O relator do Acórdão, Desembargador Aymoré Roque Pottes de Mello, em seu voto, detalhou as declarações das vítimas e de suas mães e também os depoimentos de testemunhas informantes que acompanharam o caso na igreja.

Uma dessas pessoas declarou que um dia pediu uma benção de saúde para o acusado, momento em que este além de lhe “abençoar”, tocou onde não devia (região pélvica, por cima da roupa). A mulher contou que ficou muito tensa e em estado de choque, pois confiava muito no acusado. Segundo ela, quando pediu ajuda aos superiores da igreja foi orientada a “colocar uma pedra em cima” e não prosseguir com o caso, já que ela pensava em fazer um boletim de ocorrência na polícia, de acordo com o relato.

A própria esposa do acusado afirmou que ele costumava espiar sua filha, até que um dia tentou agarrá-la a força, quando ficou sabendo e registrou o fato na polícia. Ela ainda acrescentou que não prosseguiu com o feito por medo e que um dia ele fez ameaças, dizendo “que poderiam colocá-lo na cadeia, mas, quando saísse, iria matar um por um”.

O Desembargador também citou o teor de uma avaliação psíquica feita em uma das vítimas. Ela relatou que na época dos fatos tinha sentimentos de tristeza com choro frequente à noite. O laudo mostrou que ela falava ter vergonha e culpa, já que pensava que permitia o abuso e se sentia ¿como se estivesse errada¿. Ela dizia ainda ter medo que as outras pessoas se afastassem, caso revelasse o abuso. Apresentava pensamentos invasivos e repetitivos relacionados ao abuso. Ainda apresenta recordações intrusivas dos fatos relatados. Tem receio da aproximação de homens adultos, afirmou o médico que fez a avaliação psíquica.

O Desembargador afirmou que os relatos das vítimas revelam de forma espontânea como eram os abusos sexuais praticados pelo ex-líder religioso.

Como se vê, as vítimas sustentaram sempre uma única versão dos fatos, sem cair em contradição. E seus depoimentos, além de lineares e seguros, estão amparados pelas demais narrativas colhidas.

Para o magistrado, não prospera o pedido da defesa de desclassificar a condenação para contravenção penal de importunação ofensiva ao pudor. O relator afirmou que os abusos sexuais estão relacionados ao crime de estupro de vulnerável, na modalidade dos atos libidinosos diversos da conjunção carnal com invasividade física na vítima.

Por fim, o réu foi condenado a 17 anos e 6 meses de reclusão a ser cumprida em regime inicial fechado.

As Desembargadoras Vanderlei Teresinha Tremeia Kubiak e Bernadete Coutinho Friedrich acompanharam o voto do relator.

A ação corre em segredo de Justiça.

 

 

Fonte: TJ/RS