Juiz da Comarca de São Sepé comenta decisões da Justiça

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O Juiz de Direito Francisco Schuh Beck, titular da 1ª Vara Judicial da Comarca de São Sepé, emitiu na última quinta-feira, 28 de fevereiro, uma nota à imprensa e à comunidade sepeense depois da repercussão da manifestação do vereador Renato Rosso, que também é Policial Civil, com crítica ao judiciário a uma decisão proferida em auto de prisão em flagrante.

No último dia 26 de fevereiro, cinco pessoas foram presas em uma operação da Polícia Civil contra o tráfico de drogas no Bairro Santos. No dia seguinte, parte dos presos foi posta em liberdade, o que gerou críticas por parte do vereador contra o Poder Judiciário.

Após a repercussão do caso, a reportagem procurou o Poder Judiciário a fim de esclarecimento sobre a famosa frase popular de que a “polícia prende e a justiça solta”.

 

Confira a nota na íntegra do Juiz de Direito Francisco Schuh Beck

“Os meios de comunicação de São Sepé replicaram, na data de ontem [27 de fevereiro], manifestação pública do Senhor Vereador Renato Rosso com crítica a uma decisão proferida em auto de prisão em flagrante. Os meios de comunicação solicitaram a manifestação do Poder Judiciário, a fim de esclarecimento.

O exercício público de crítica às decisões do Poder Judiciário é de todo legítimo, mas convém seja feito amparado em fatos concretos e precisos.

Ao contrário do Vereador, que possui plena a sua liberdade de expressão, crítica e manifestação, ao Juiz o artigo 36, III, da Lei Complementar 35/79 restringe consideravelmente tal liberdade. Vale dizer, o direito à liberdade de expressão e manifestação é bastante mais restrito ao Juiz do que aos demais cidadãos. É proibido por Lei ao Juiz manifestação sobre o mérito do caso ainda pendente de julgamento. Contudo, a decisão proferida é pública, e pode ser acessada pelos meios de comunicação, a fim de informarem a população sobre os seus fundamentos. As considerações a seguir, pois, referem-se unicamente a fatos e circunstâncias concretas.

Na data de ontem, foram apresentados presas em flagrante pela Polícia Civil cinco pessoas – três mulheres e dois homens. A manifestação pública do senhor Vereador leva a crer que todos foram postos em liberdade. Uma das reportagens a que tive acesso referiu, ao contrário, que das cinco pessoas três foram soltas. Há aqui imprecisão de parte a parte. Dos cinco apresentados, os dois homens já possuíam contra si prisões decretadas pelo Poder Judiciário, e permanecem recolhidos. Uma das mulheres teve prisão preventiva por mim decretada após audiência de custódia, e também permanece segregada. Dos cinco conduzidos, pois, são duas as mulheres que responderão ao processo em liberdade. O flagrante foi homologado.

A soltura ou prisão dos flagrados, neste momento inicial, não significa que estão absolvidos ou condenados. Todos os cinco responderão a um processo penal. Mesmo as duas mulheres colocadas em liberdade poderão, após o processo, ser condenadas e presas para cumprimento da pena imposta.

Desde a Lei Federal 12.403 de 2011 nenhuma pessoa presa em flagrante, mesmo que homologado, pode permanecer, automaticamente, recolhida. Somente permanecerá preso o flagrado quando cumpridos os requisitos para que seja imposta sua prisão preventiva. A prisão preventiva, por sua vez, determina a Lei seja de aplicação restrita e absolutamente excepcional. O Poder Judiciário não faz as Leis e nem as modifica. As Leis são elaboradas pelo Poder Legislativo, com posterior aprovação pelo Poder Executivo. O Poder Judiciário tão somente aplica e cumpre as Leis criadas e aprovadas pelos outros dois poderes.

A partir da Lei Federal 12.403 de 2011, criou-se então situação em que por vezes a Polícia é obrigada a prender em flagrante, e o Judiciário fica impedido de decretar a prisão preventiva, sendo de rigor a soltura. Novamente, o Poder Judiciário somente cumpre as leis, mas não as cria.

Também importante esclarecer que a prisão em flagrante é, por definição, o início do trabalho investigativo da Polícia, e não o seu final. A partir da prisão em flagrante é que a Polícia passará a recolher provas para serem apresentadas às Cortes de Justiça. Todos os presos em flagrante, eventualmente, responderão a um processo penal e, mesmo que tenham permanecido em liberdade, poderão ser, ao final, condenados e presos para cumprir pena imposta.

Finalmente, cumpre destacar o ambiente de absoluta normalidade de relações entre as instituições do sistema de justiça criminal – Poder Judiciário, Ministério Público, Defensoria Pública, forças policiais e órgãos penitenciários. Todas essas instituições, além disso, e não somente a polícia, trabalham com considerável carência de recursos materiais e humanos, mantendo-se em funcionamento pelo empenho indormido das pessoas que as integram. Reitero aqui os números que foram divulgados pelo Poder Judiciário de São Sepé no ano de 2018: 11.300 processos ativos; foram ajuizados 4.979 novos processos e encerrados 6.610 processos; os dois Magistrados da Comarca prolataram 4.064 sentenças e realizaram 1.312 audiências de conciliação e instrução e julgamento, ouvindo ao total 1.381 partes e testemunhas; ao final de 2018, encontravam-se presos, por ordem dos Juízes da Comarca, 61 acusados, entre prisões preventivas, temporárias e definitivas; os três Oficiais de Justiça que atuam na Comarca cumpriram cerca de 6.900 mandados de citações, intimações, cientificações, penhoras, avaliações, prisões civis, etc…

 

São Sepé, 28 de fevereiro de 2019,

 

Francisco Schuh Beck,

Juiz de Direito

1ª Vara da Comarca de São Sepé”