Ivan Cezar Ineu Chaves

Destinos cruzados
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A Juíza de Direito Carmen Lucia Santos da Fontoura jurisdicionou a Comarca de São Sepé lá no período de 2003 até o ano de 2006. Trabalhamos juntos, assim posso dizer, em inúmeros processos onde ela atuou como Magistrada e eu como advogado. Foi um período de respeitoso relacionamento profissional e de reconhecimento de qualidade humana. Por ironia do destino a Dra. Carmen foi promovida para a Comarca de Santana do Livramento onde eu iniciei minha carreira como advogado.

Fui criado em Rivera, no outro lado da fronteira onde meu pai esteve asilado político durante o período da ditadura militar. Toda minha formação desde a alfabetização se deu em escolas uruguaias. Só fiz faculdade de direito no Brasil e iniciei um curso de jornalismo no Uruguai, o qual não concluí. Não obstante trabalhei no setor jornalístico de Livramento. Escrevi no extinto diário FOLHA POPULAR e, depois no JORNAL EXTRA, também extinto.

Digo tudo isto para justificar meu envolvimento com a fronteira Livramento-Rivera e o acompanhamento que sempre faço de todos os acontecimentos de lá. Pois a Dra. Carmen Lúcia, por ironia do destino assim como este escriba também insere seu nome na história da fronteira, já que seu papel foi decisivo na restauração da Praça Flores da Cunha, mais conhecida popularmente como PRAÇA DOS CACHORROS.

A nomenclatura popular deve-se a ornamentos de estátuas de cachorros que emprestaram esse “apelido” à Praça que oficialmente chama-se GEN. FLORES DA CUNHA, mas que pela voz dos fronteiriços é conhecida como a Praça dos Cachorros.

Muitos de nós que passamos dos cinqüenta anos de idade tivemos naquele lugar o palco de nossa infância. Raros são os fronteiriços que não possuem uma foto – um retrato – “batido” pelos “lambe-lambe”, em preto e branco , reveladas na hora naquelas caixas que eram rudimentares câmaras fotográficas daqueles idos tempos . Era um espaço público cheio de história e um ícone arquitetônico e turístico da Fronteira da Paz.

Lembro muito bem dos primeiros ambulantes que foram se estabelecendo na Praça. A residência de minha família – até os dias de hoje – fica a uma distância aproximada de quatrocentos metros da Praça. Fui testemunha da ocupação do espaço público pelos camelôs. Durante as décadas de oitenta, noventa até o ano de 2014 a população não tinha mais acesso à Praça. Praticamente todo o espaço foi tomado pelos camelôs e houve depredação dos monumentos históricos.

Um cineasta santanense chamado Federico Bonani produziu um vídeo que repercutiu de como uma bomba na internet através das redes sociais. Iniciou-se um movimento para a recuperação da Praça e aí entrou em cena a nossa Magistrada que saiu aqui de São Sepé para Santana do Livramento. Conduziu o processo judicial com uma mistura que julgo perfeita – energia e sensibilidade – e seu papel foi decisivo para que a comunidade de Santana do Livramento e Rivera recebessem de volta aquilo que sempre lhes pertenceu.

O processo de desocupação da Praça iniciou-se em 2014 e agora em janeiro de 2015 o espaço público foi devolvido inteiramente restaurado. Acompanhei tudo à distância, mas assisti aos vídeos e até mesmo à entrevista da Dra. Carmen e do atual Prefeito de Livramento. E com muita emoção escrevo este artigo, na certeza de que a Dra. Carmen também se sentirá homenageada e emocionada, pois é interessante como os destinos são cruzados. Antes eu apenas poderia dizer que trabalhei como advogado com a Dra. Carmen e hoje, podemos dizer que temos uma história em comum sobre uma certa Praça dos Cachorros, hoje devolvida a seus legítimos proprietários.