Como foi o primeiro dia de julgamento do Caso Bernardo

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Foto: Mauro Schaefer/reprodução

 

Foto: Mauro Schaefer/reprodução

O primeiro dia do júri do Caso Bernardo se encerrou às 21h de segunda-feira, 11, em Três Passos. As Delegadas Caroline Machado e Cristiane Moura foram as primeiras testemunhas ouvidas. Elas atuaram nas investigações do caso e no inquérito policial que embasou a denúncia contra os quatro acusados, Leandro Boldrini, Graciele Ugulini, Edelvania e Evandro Wirganovicz.

Os depoimentos iniciaram às 9h desta terça-feira com mais 12 testemunhas previstas para serem ouvidas. O júri está sendo presidido pela Juíza de Direito Sucilene Eagles, titular da Vara Judicial da Comarca de Três Passos.

 

Mais de 4h de depoimento

A Delegada Caroline prestou o depoimento mais longo, tendo falado por 4 horas meia. Na época dos fatos, ela era titular da Delegacia de Polícia de Três Passos, conduziu as investigações e presidiu o inquérito policial. Ela destacou pontos que chamaram atenção da Polícia nas investigações, como por exemplo, afirmou, a tentativa de construção de álibis pelo casal Leandro e Graciele, bem como mudanças de comportamento dos dois.

“Eles estavam certos da impunidade, tanto que não organizaram alguns detalhes.” Isso porque, segundo a testemunha, Leandro não dava atenção ao filho, que chegava a ficar longe de casa 15 dias. “Foram unânimes os depoimentos nesse sentido. Mas, quando o menino sumiu, Leandro procurou pelo filho e, antes disso, Graciele até deixou que a criança se aproximasse da irmã caçula, o que não era permitido normalmente.”

A constatação da morte de Bernardo ocorreu no dia 14 de abril de 2014, mas, de acordo com a perícia, a vÍtima morreu no dia 4, quando desapareceu. Naquele dia, o menino saiu de casa com a madrasta achando que iam comprar um aquário.

Caroline afirmou que o menino sofria tortura psicológica e “um descaso em grau máximo”. E que a frieza de Leandro impressionava: “A comunidade estava bem mais engajada do que o pai para encontrar o menino.”

Os Promotores de Justiça exibiram um áudio de Leandro Boldrini para uma emissora de rádio, pedindo ajuda da comunidade para encontrar Bernardo. “Chamou atenção que ele disse que ‘o menino morava com a nossa família’, no passado”, observaram.

 

Abandono afetivo

A defesa de Leandro questionou se houve alguma interceptação de conversa entre o médico e a companheira combinando o sumiço de Bernardo. A delegada Caroline negou, mas disse que “eles eram um casal e conversavam muito”.

O advogado de Leandro Boldrini pediu que Cristiane falasse sobre o relacionamento entre pai e filho. “O pai era ausente. O menino admirava o pai. Mas havia também aquelas informações de que em datas importantes ele não comparecia. Também havia o fato de o menino andar desnutrido e o Dr. Leandro não ter dado importância. Além dos vídeos gravados no celular onde o Dr. Leandro provoca o menino”, citou a agente policial. Questionada sobre o comportamento de Leandro, ela disse que chegou a informar o pai de Bernardo de que as chances de encontrar o menino com vida eram raras, e ele respondeu: “E a minha vida continua.”

Sobre qual seria a motivação do pai para, em tese, planejar a morte do próprio filho, Cristiane afirmou: “Os relatos da própria Graciele, que dizia que aquele núcleo familiar não comportava mais a presença de Bernardo. Tinha se formado uma nova família e que ele não poderia fazer parte”, disse ela, acrescentando a questão da herança.

O advogado questionou se Caroline sabia qual era o sentimento de Bernardo em relação ao pai. “Ele gostava do pai. Dizia que o pai salvava vidas.”

“Bernardo era um menino extremamente carente, gostava de abraços”, afirmou Cristiane. Certa vez, no seu aniversário, Bernardo foi questionado sobre o que faria na data, e teria dito: “Não sei, vou procurar onde comer um bolinho.”

 

Relacionamento com a madrasta

O defensor de Graciele perguntou sobre um suposto “conluio de advogados”, que teria ocorrido logo que Leandro, Graciele e Edelvânia foram presos. A Delegada Caroline mencionou que houve uma combinação entre as defesas para que Edelvânia livrasse a participação de Leandro porque ele seria fonte financeira.

O advogado da madrasta perguntou se foi detectado se Bernardo sentia ciúmes da irmã. As Delegadas responderam que não.

Questionou se as investigadoras sabiam que a família de Leandro Boldrini possui terras no município de Campo Novo, aludindo à suposta afirmação de Graciele de que Bernardo não tinha sido morto antes porque eles não teriam um poço onde colocar o corpo.

O defensor ainda perguntou sobre as entrevistas coletivas que a Delegada Caroline concedeu ao longo das investigações, o que teria inflado o interesse da imprensa, e a policial civil disse que a ideia não foi dela, mas da sua Chefia. E também que não tinha interesse em vazar informações para a imprensa.

O advogado fez perguntas sobre o relacionamento do menino com a madrasta, citando trechos de depoimentos em que as desavenças entre os dois não se confirmavam. Perguntou se sabiam quem costumava levar Bernardo para visitar familiares em outras cidades. Elas responderam que não sabiam exatamente se o menino era levado pelo casal ou por um dos dois.

 

Interrogatório policial

As perguntas da defesa de Edelvânia giraram em torno do depoimento dela à Polícia sem a presença de um advogado, tendo o depoimento gravado. A Delegada disse que, num primeiro momento, ela não era acusada. “Se não fosse essa moça indicar onde estava o corpo do menino, nós teríamos materialidade do caso?¿, perguntou o defensor. A Delegada Caroline respondeu que ¿nem o corpo nem a execução do crime ”

O advogado de Edelvânia indagou por que Cristiane falou sobre benefícios em caso de confissão com a possível redução de pena. A delegada respondeu que não via problema, uma vez que isso está previsto na legislação.

O defensor afirmou que o inquérito policial traz uma “trama diabólica”. “Contrataram uma assistente social que não é capaz de matar um passarinho, e não um bandido”. Perguntou se a testemunha considera que o inquérito pode ter falhas e ela respondeu que não.

Advogado perguntou por que não foi gravado o momento em que a Polícia ofereceu à Edelvânia a possibilidade de ser assistida por um advogado. “A presença do advogado não é imprescindível no inquérito policial. Não há contraditório no IP.” Questionou se, na Delegacia, não colocaram uma pistola em cima da mesa para que Edelvânia confessasse. Cristiane negou.

 

Mudança de versões

O irmão de Edelvania é acusado de ter aberto a cova onde Bernardo foi enterrado. As testemunhas não souberam precisar se os irmãos se falaram no dia 2 de abril, data em que o buraco teria sido aberto. ¿Pelo telefone, não houve registro¿, disse a Delegada Caroline.

O comportamento da esposa e o choro de Evandro quando questionado por ela se ele participou do crime também foi um elemento que a Polícia levou em conta na a época para concluir que o irmão de Edelvânia estava envolvido na morte de Bernardo.

O carro de Evandro foi visto no local, por aqueles dias. Ele estaria pescando, já que ali está situado um riacho. “Ele negou e disse que fazia dois meses que não passava por lá. Isso nos deixou intrigada. Por que ele mudou a versão do depoimento depois?”, disse Caroline.

Evandro não está vinculado à aquisição do Midazolan, esclareceu a Delegada Caroline. Questionada se houve falhas na investigação, ela disse que o trabalho foi bem feito, mas que pode ter tido falhas.
“A senhora conseguiu apurar se Evandro sabia que Bernardo seria morto?” A Delegada Caroline respondeu que não.

 

Álibis

De acordo com a Delegada Cristiane Moura, Edelvânia e Graciele mudavam de álibis cada vez que a polícia chegava a novos elementos. “Os álibis eram combinados em códigos.”

Graciele queria se livrar de Bernardo, que seria um estorvo para a família e ofereceu dinheiro em troca da ajuda da amiga. Não haveria sangue, “só uma picadinha”. Bernardo teria recebido dois comprimidos de Midazolan antes da injeção. Não esboçou qualquer reação, provavelmente pelo efeito do remédio. “Então elas tiraram a roupa dele, colocaram o menino no buraco, jogaram soda e pedras em cima.” As roupas teriam sido colocadas no lixo.

 

Venda das ferramentas

A Polícia ouviu as pessoas que venderam as ferramentas para as acusadas, que confirmaram que Graciele foi vista em Frederico no dia 2/4. Ela e Edelvânia chegaram a perguntar a um vendedor o que seria preciso para cavar um buraco, e ele indicou uma pá e uma cavaleira. Também foi confirmada a venda de Midazolan à Edelvânia por meio de uma receita com carimbo de Boldrini.

Em relação ao uso da pá, a Delegada Cristiane esclareceu que foi comprada por Edelvânia. “Não estávamos lá no momento em que enterraram o menino. Não sabemos se foi usada, mas foi comprada por elas.”

A defesa de Evandro perguntou sobre o fato de Edelvânia ter levado a pá até a casa da mãe. E se o irmão estava junto com ela em algum momento no dia 2/4. A Delegada disse que Evandro mudou de versão; primeiro disse que fazia tempo que não passava por lá e, depois, afirmou que estava pescando. “Testemunhas viram o veículo, não ele.”

 

Ida ao Foro

A ida do menino ao Foro, que culminou em uma audiência com o magistrado da Infância e Juventude, na tentativa de mudar a situação que vivia em família, provocou em Graciele um comportamento agressivo. “Ela disse que teria que dar fim a este menino e que havia gente para fazer isso”, afirmou Cristiane. Já Leandro teria dito que iria cuidar do filho.

O advogado perguntou à Cristiane quais são as provas contra Boldrini. “Ele é o mentor do crime. Ele foi procurar o menino na residência onde, em tese, ele estaria. Referiu que fez ligações para o celular do filho e foi ao local onde poderia estar. Ele nunca teria feito isso antes. A dentista do Bernardo disse que ele teria horário com ela naquele dia e ela recebeu no domingo uma mensagem do Dr. Leandro, coisa que nunca tinha feito, e que causou estranheza nela. Ele também, no contexto do abandono material e intelectual, demonstrava não ter nenhum cuidado. Mesmo depois do fato, eles foram se divertir no sábado à noite. Tudo leva a crer que ele tinha conhecimento do que estava acontecendo”, respondeu a Delegada.

O advogado lembrou a Delegada que testemunhas informaram que Bernardo usava roupas adequadas e que ele contava com empregadas domésticas em casa para fazer lanches. Também destacou a reação de Leandro quando tomou conhecimento da morte do filho. Na ocasião, ele teria confrontado Graciele, perguntando se ela tinha participação no crime, e ela respondido: “Sim, mas não quero falar nisso.”

 

Picadinha

O defensor de Graciele perguntou se há alguma a prova técnica da “picadinha” (declaração de Edelvânia quanto a forma como Bernardo seria morto, através de uma injeção de Midazolan). A delegada Cristiane disse que não, devido ao adiantado estado de putrefação do corpo.

Sobre o abandono material sofrido por Bernardo, ele perguntou de onde saiu a informação de que o menino estava desnutrido. O advogado alegou que os Conselheiros Tutelares não retratam isso. “Bernardo disse que estava tudo bem e que o pai o autorizava a ir na casa dos amigos.” A Delegada disse que a vítima não falava mal do pai nem da madrasta em público e não gostava de tocar no assunto. “Os vídeos mostram que eles faziam provocações ao menino, inclusive, falavam da mãe de Bernardo.”

Ele perguntou se Bernardo tinha ciúmes da irmã. E quis saber se o afastamento poderia ser uma proteção por Bernardo ser agitado. “As testemunhas disseram que ele era afetivo e que nunca o viram agressivos do jeito que foi mostrado nos vídeos.”

 

 

Fonte: TJ RS