Bebeco Rocha

O que o pampa me disse

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Bicho solto, criado no mundo, sem dono, sem pátria, sem preço, nem pago, percebi que havia encarnado a velha alma de um cavalo encilhado, de peito erguido e de andar cansado, pois pesa no lombo o vazio de todos aqueles que nunca montaram no próprio destino.

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Levo a sério a regra e sina única: se me ver passar e não fazer montaria, vou seguir minha andança, utilizando-se do amplo campo de visão que me foi gerado e que é vedado na cidade para que a gente esqueça do próprio caminho e trabalhe a exaustão a um dono de estância.

Cedo descobri que as luzes da cidade encantam, mas iludem, e que todas aquelas maldades que um animal percebe fazem sentido oposto ao que me foi ensinado quando era potro e cambaleava nas minhas próprias patas.

Deste modo que cresci arisco, respeitando a minha natureza e a natureza daquilo que a mim era cativo. Antes de ficar com o instinto cego, me desfiz da ilusão que aquele brilho intenso proporcionava e me larguei com arreio e tudo em busca do meu negro olhar.

Mal domado, compasso inconstante, na pressa de sentir o vento no meu esquadro, entre uma prece de passar por casa uma vez ou outra, resolvi escrever meu caminho procurando nortes, que sempre fazia sentido ao encontrar aquele céu rubro e incandescente de um fim de tarde de nuvens rosadas e subia em dégradé lilás até ficar azul e anunciava a noite que mostraria a essência negra do meu corpo baio e iluminaria o meu caminho com as luzes das estrelas que, agora sim, evidenciariam a grandeza das coisas.

Hora de lembrar o que o pampa me disse e seguir adiante, nunca é tarde para se fazer postulante de algum novo horizonte, e antes que reponte a tua tristeza por perder a chance de nos tornarmos centauro em alguma fortuna que se viu em frente aos olhos, espera o mundo dar uma volta por inteiro e eu, talvez, passe por aí.

 

Imagem: Gabrielle Borges